Mais que um diálogo interno, um mergulho no escuro!!!
*****
Cena 1 ( O homem com o saco de papel na cabeça caminha em direção ao poste e reproduz o texto abaixo, em tom indagativo)
- Cara,
as coisas na minha vida estão tomando um rumo um tanto quanto incerto, e não adianta eu tentar te explicar o que acontece detalhadamente, afinal, somos diferentes e vemos as coisas sob óticas distintas. No entanto, você é a única pessoa para quem posso desabafar sobre esse assunto - em função da confiança - e saber que você compreenderá, pelo menos em parte, o que sinto.
O coração é voraz, e como disse um americano, - e eu tendo a concordar - "o amor é a ilusão de que uma mulher é diferente da outra". Ilusão essa que nos guia, que nos faz acertar, errar, sorrir, chorar. Múltiplas suas faces, mas única a sensação que nos traz: o frio na barriga, a confusão mental, as mensagens inconscientes, os suspiros...
Agora, quando você se depara com ele geralmente não estava a sua procura, ele nos toma com violência, e como se nos atirasse contra uma parede, cega nosso bom senso, nossa razão e joga ao lixo todas aqueles premissas que nós, em nossa arrogância, pensamos bastar para ser feliz, por nós mesmo, sem a necessidade de nada que não seja aquilo que quisermos.
Bem, mas o que nos faz sentir assim, como marionetes de nós mesmos, sem rumo certo, às vezes indo e voltando sem ao mesmo ponto com muito poucas novas respostas? É esse tal de amor, ou será o medo da mudança, do novo, do incerto; a nossa auto-aceitação, nossa auto-estima, e uma série de outros fatores que incidem sobre nós e nos deixa sem ação em alguns momentos?
Além disso, temos ainda uma outra questão: temos ou não responsabilidade pela felicidade das outras pessoas? Existem tais obrigações morais? Devemos considerar juntamente com nossos motivos os sentimentos dos outro em nossas decisões? Isso é o que: compaixão, solidariedade, dó; ou apenas uma forma de fingirmos para nós mesmos que não somos egoístas? Óbvio que é maravilhoso ver que alguém olha para você e tem os olhos a brilhar pelo simples fato de você existir e estar ali, ao lado dele (a)... mas, e quando você percebe que você já não sente o mesmo (ou acha que não sente o mesmo): partir ou ficar, agir ou esperar? E se você perceber que tais dúvidas ensejaram que em seu coração surgisse uma brecha, uma trinca, uma rachadura, que a cada momento se alarga e se alarga e por meio dessa brecha um interesse repentino (e aparentemente mútuo) por uma outra pessoa começa a lhe invadir, e essa invasão lhe esquenta o sangue, lhe faz sonhar, traz a pessoa a sua mente, e dela é muito díficil se livrar?
É uma questão tão complicada: magoar o outro (por achar que não sente mais por essa pessoa aquilo que já sentiu e aquilo que ela sente por você) e deixá-lo? Abrir espaço para outra pessoa?
Ficar sozinho? É tanta coisa que a gente se pergunta, né? Mas numa hora dessa a gente percebe que não adianta ficar pensando, na lógica e no idealismo não encontraremos resposta para isso...
(continuação da cena 1 - o Poste Responde)
-Bem,
indo ao assunto que interessa, acho que sei mais ou menos o que está rolando contigo.... tipo uma mina nova apareceu na sua vida, e está surgindo ou já surgiu uma coisa entre vocês dois, certo?? Essas pelo menos eram as características que me levaram a tomar minhas atitudes em relação à minha ex namorada... quando terminei com ela e tudo mais...
Realmente os sentimentos que brotam nessas situações não são fáceis.... um dia temos a certeza de que algo é aquilo que temos e outro dia tudo vai por água abaixo, em uma questão simplesmente incognoscível. Entretanto, não existe remédio, receita, merda nenhuma que nos faça tomar a decisão correta, infelizmente. Já procurei ajuda em todos os lugares e sempre me deparei com uma incógnita sempre maior daquela que no dia antes tinha...ou seja, é um buraco que não tem fundo!
Tenho algumas questões parecidas com a tua.... será que somos responsáveis pela felicidade de outrem, a partir do momento que estamos com alguém? Até que ponto temos que abrir mao daquilo que achamos ser a NOSSA FELICIDADE...com certeza existe alguma coisa nesse sentido, mas até hoje não consegui arrumar respostas para essas questões..... saca?
Ademais, esses sentimentos são muito bons, pois parece que nos dá mais vigor de viver e saber que ainda existe um mundo lá fora e que o nosso umbigo não é apenas e tão somente o nosso mundo que tanto idolatramos...
Nessa minha passagem pela Europa, me apaixonei por outro poste...de verdade...e acho que rolou uma parada recíproca.... entretanto, ela era de Portugal, tinha namorado, uma vida dela, só dela...e eu a minha...nos encontramos por acaso...
No final das contas, decidi não envenená-la com meus sentimentos de poste apaixonado, pelo menos não tornar aquele sentimento explicito; embora, no fundo, acho que ambos sabiam o que estava acontecendo...Mas tem um único diferencial nessa historia de todas as outras...eu tinha a certeza absoluta que não daria certo, nem aqui nem na China, pois nossas vidas eram muito distintas e não havia como uni-las de uma forma potencialmente viável, optei ficar pela amizade.... embora isso seja triste, pensando bem, não me arrependi...mas foi difícil...
No final das contas, após passar pelas coisas que passei cheguei a uma conclusão e que talvez você não goste, mas não há nada como nós mesmos tomarmos a nossa decisão e ver no que dá. Infelizmente (?) é o risco de negócio, as vezes ganhamos, outras perdemos...
Mas, do que seria feita a vida não fossem os altos e baixos?
(platéia bate palmas. cortinadas descem. ouve o som metálico. levante-se a cortina. o homem com saco de papel da cabeço cortou o poste com um machado.)
fim
quarta-feira, 1 de julho de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Nossa, Edu, confesso que demorei pra comentar esse post... não sei nem por que, na verdade, só sei que demorei. Acho que demorei pra ler, e reler, e entender, e simplesmente ler de novo, e tentar escrever alguma coisa que prestasse...
Aliás, seria, além de uma óbvia ilusão, pretensão demais da minha parte achar que finalmente consegui escrever algo à altura dos seus posts, desse em especial.
Mas enfim, dizer que amei, que me encantei, que gostei muito de tudo que você escreveu é pouco, muito pouco, para expressar sequer uma gota do que me invadiu quando li.
Só sei que [acho que] a minha parte preferida foi essa:
"Agora, quando você se depara com ele geralmente não estava a sua procura, ele nos toma com violência, e como se nos atirasse contra uma parede, cega nosso bom senso, nossa razão e joga ao lixo todas aqueles premissas que nós, em nossa arrogância, pensamos bastar para ser feliz, por nós mesmo, sem a necessidade de nada que não seja aquilo que quisermos."
Acho que é exatamente isso: a gente, quando se apaixona, fica completa e inebriadamente cego mesmo, como que se perdesse um pouco da gente mesmo... numa fome quase 'masoquista' de, ainda assim, se aproximar mais e mais desse sentimento, não importa o que aconteça... é muuuuuuito maior do que nós, sem dúvida nenhuma.
Só sei que, justamente por tudo isso, pra mim não existe amor pela metade. Não consigo, não quero, não sei amar pela metade. Ou amo enlouquecidamente ou não amo, simples assim. É claro que um sentimento desses não nasce de repente, da noite pro dia, mas vai surgindo, brotando, crescendo, tomando conta... até que não se possa mais imaginar a vida sem tamanho encantamento. Só que, pelo menos pra mim, até esse processo é transparente, não consigo esconder ou disfarçar... e, sinceramente, nem quero. A única coisa que eu quero, mesmo, é ser fiel ao meu coração.
Bom, sei que não devo ter ajudado em nada, mas me perdoe... ainda estou recuperando meu fôlego, depois de ler [mais uma vez] o seu texto arrebatadoramente lindo!
Postar um comentário